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sábado, 18 de setembro de 2010

O Conde de Monte Cristo

Estou convencido de que alguns livros inspiram certa saudade antecipada antes mesmo que se leia a última página. À medida que o final se aproxima, por mais que se anseie descobrir o desfecho, toma corpo o lamento pela iminente despedida.

Este certamente é o caso de O Conde de Monte Cristo. Não é fácil vencer as quase mil e quatrocentas páginas dos dois volumes da edição definitiva da editora Jorge Zahar¹, que superou minhas expectativas pela qualidade e inclui belas ilustrações da época de lançamento original, em folhetim. Essa densidade fez com que o livro me acompanhasse por algumas semanas, mais de oito no total, me tornando íntimo das personagens e de suas histórias particulares.

Assim, cada vez que via diminuir o número de páginas faltantes, orientado por um cartão de visitas que utilizei à guisa de marcador, desejava que houvessem mais dois volumes adicionais aguardando no armário.

Naturalmente, trata-se de um desejo paradoxal em um mundo que considera prolixo qualquer texto que ultrapasse os 140 caracteres de uma twitada. Ademais, a rigor, o tal desejo continua sem fazer sentido quando se considera que a melhor parte do romance são os relatos da prisão de Dantès, mais especificamente do seu encontro com o Abade Faria até sua fuga. Poucas boas explicações, porém, advém de ilações tão simples assim.

É certo que a narrativa da fuga, do encontro com os corsários, do achado do tesouro e da vingança evidentemente contribuem para tornar obra ora comentada indispensável, mas nada se compara ao encontro com o velho clérigo italiano.


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Catarse

No começo aquilo parecia uma tortura. O tipo de sacrifício que as pessoas se impõem no decorrer da vida, pois têm certeza de que, passando por isso, atingirão um objetivo qualquer.

No total, o percurso se estendia pouco além de onze mil metros. Uma distância que um corredor relativamente bom cobre em aproximadamente 30 minutos. Ocorre que ele não era nenhum corredor profissional, longe disso. Quando começou, era um corredor afetado: contava cada passo, sentia cada pisada, abria a boca demais, abaixava a cabeça e se preocupava muito apenas com a pisada, tentando prevenir um possível trauma nas articulações do joelho e do tornozelo: primeiro o calcanhar, depois a planta do pé se amoldando ao chão até chegar à ponta dos dedos e oferecer um novo impulso e assim continuamente, um pé depois do outro. A falta da melhor técnica o fazia avançar muito pouco, malgrado grande desgaste. Sofreguidão ritmada e constante.

Sempre que partia se sentia um Fidípides e sabia que cairia morto ao final daquele sofrimento. Mas essa morte gloriosa não veio. Com o tempo o esforço foi se tornando natural. Pouco a pouco se familiarizava, se soltava e seu corpo respondia demonstrando adaptação. Como resultado passou a correr sem estar obcecado com a chegada, de sorte que já não era necessário dizer a si mesmo o tempo todo que não podia obedecer ao desejo de parar e se deitar no chão. Então, simplesmente corria, ocasionalmente e quase involuntariamente, controlava a intensidade dos movimentos para manter a média nas constantes saliências e reentrâncias do caminho.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

O Nome da Rosa¹

Quando alguém se determina a ler O Nome da Rosa² também está decidindo adentrar na santíssima abadia que o bom Adso considerou piedoso não revelar o nome.

Todavia, apenas é dado sair desse imponente reduto beneditino, encravado nas montanhas da região setentrional da Itália, àquele que ali permanece por sete dias, orientado pelas horas canônicas, o divinum officium, fixadas na regra pelo próprio santo fundador da Ordem.

É bom que se diga que a expressão “viver sete dias na abadia” é utilizada pelo próprio autor no complemento indispensável “Pós-Escrito a O Nome da Rosa”, obra em que Umberto Eco sustenta que a premissa inafastável para se chegar ao sétimo dia é aceitar o ritmo da abadia.

Segundo ele, as cem primeiras páginas do livro revelam tal e tão didático tom que foram mantidas, ignorando sugestão em contrário do primeiro editor, para testar e penitenciar o incauto leitor. Penitenziagite! Sim é preciso pagar tal tributo para ultrapassar a estrada sinuosa e escarpada que leva à abadia. Do contrário, permanece-se abandonado nas encostas, do lado de fora das muralhas e ignorante acerca de uma obra sem paralelos.