Não raras
fontes históricas defendem que a monarquia francesa encontrou seu fim ao pé do
cadafalso e, segundo essas mesmas fontes, a expressão máxima de sua derrocada
teria ocorrido em 21 de janeiro de 1793, quando o povo francês decapitou seu
Rei, o monarca Luis XVI. Munro Price
[1] lembra que antes desse evento dramático, a monarquia era uma estrutura
grandiosa, malgrado todas as suas rachaduras, e o rei que, por fim, ficou uma
cabeça menor governava por Direito Divino, sendo responsável por suas ações apenas
diante de Deus.
Antes de
prosseguir, é bom que se diga que cortar a cabeça de um rei não era novidade na
Europa, pois em 1649, a Câmara dos Comuns criou uma corte (Tribunal de Exceção?
Sim, claro) para promover o julgamento de Carlos
I. Assim, no dia 29 de janeiro daquele mesmo Ano do Senhor de 1649, Carlos
I foi condenado à morte por decapitação e – celeridade a toda prova –, decapitado
já no dia seguinte, do lado de fora da Banqueting
House.
Ao matar um
rei, portanto, não significa acabar com a monarquia. Mesmo porque, na França,
ao contrário do que ocorrera antes da Inglaterra, houve a Revolução. Segundo M. J. Roberts [2], a Revolução Francesa
compreende conjunto de eventos ocorridos entre 5 de maio de 1789, com a
convocação dos Estados Gerais e a famosa Queda da Bastilha e 9 de novembro de
1799, com o 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte.
Luis XIV, O Rei Sol |
Lançadas
tais premissas, é tempo de registrar que outras fontes defendem que a monarquia
absolutista já balançava muito antes de Robespierre
e de todos os Terroristas de 93. Em verdade, as bases do regime absolutista já
estavam solapadas antes mesmo que as ideias de iluministas como Diderot (1713-1784), Voltaire (1694 -1778) e Montesquieu estivessem no papel.
Um dos
autores que defendem essas correntes é Wiliam
Weir, que não é historiador, mas escreveu diversos livros e artigos sobre
História Militar. Para ele, o primeiro aríete que atacou os portões do
absolutismo foi vibrado por ninguém menos que Luis XIV, o temível Rei Sol,
a figura história que personifica o regime monárquico absolutista.
Para Wiliam
Weir [3], Luis XIV jamais disse a célebre frase “L’état c’est moi” [4]. A
historiadora Susan Kennedy [5] também defende que Luis XIV porvavelmente nunca
tenha proferido a famosa frase, porém, ambos concordam que ele poderia
perfeitamente tê-la dito, pois, acreditava que ele próprio era a França, que
Carlos II era a Grã-Bretanha e Guilherme de Orange era as províncias Unidas da
Holanda.
Quando o El
Rei, Dom Carlos II de Espanha, morreu e não deixou filhos, as melhores
pretensões ao trono eram a do Duque de Anjou, neto de Luis XIV e a de Carlos, o
Arquiduque de Áustria [6], filho do imperador da Áustria, Leopoldo I.
Quando
eclodiu a guerra, Luis XIV teve que enfrentar ninguém menos que John Churchill,
o Duque de Malborough, quiçá o maior
dos generais que já envergaram a casaca vermelha dos exércitos britânicos. Em
1708 Malborough expulsou as forças
francesas de Flandres e invadiu a França ao lado de uma aliado de grande
estatura, o príncipe Eugênio de Sabóia [7].
Dentre as 40 condições de paz que apresentaram a Luis XIV, uma em especial
consternou o velho monarca absolutista: “ele teria que remover seu neto do
trono espanhol” [8].
Luis XIV não
vê alternativa senão recorrer ao povo.
O libelo dirigido ao povo francês pelo maior de todos os monarcas absolutista
no auge das monarquias absolutistas teve a força foi a um só tempo iconoclasta
e decisivo. Eis as palavras do Rei Sol:
Posso dizer
que violei meu caráter (...) procurando a imediata paz para meus súditos, ainda
que à custa de minha satisfação pessoal e talvez mesmo de minha honra (...) já
não vejo outra alternativa senão preparar-nos para nos defender. No intuito de
assegurar que uma França unida é maior que todas as potências congregadas pela
força e pelas maquinações para derrotá-la (...), vim pedir (...) sua ajuda
neste recontro, que envolve sua própria segurança. Pelos esforços que faremos
juntos, nossos inimigos hão de ver que não somos de tolerar abusos. [9].
A Batalha
que se seguiu foi tida, então, como a mais sangrenta desde a invenção da
pólvora. Foram 10 mil baixas no lado francês, mas os aliados possivelmente
perderam quase 30 mil. A vitória aliada cobrou um preço altíssimo. O próprio Malborough usou o adjetivo “atrocíssima”
para classificar o grande moedor de carne que foi a Batalha de Malplaquet.
Os milhares
de mortos nos campos de batalha exigiram que os governantes buscassem a paz e,
entrementes, a questão da sucessão ao trono espanhol tomava outros rumos quando
os valentes ibéricos se uniram sob o neto de Le Roi Soleil. Assim, o
que mudou os rumos da História não foi o desfecho do confronto. Antes, o que alterou
para sempre as torpes e pequenas paixões humanas foi algo que ocorreu antes da
própria batalha: o apelo do Rei Sol ao seu povo.
Pela
primeira vez na História um monarca que ocupava um trono em decorrência de seu
direito divino teve que recorrer ao povo. O mais impressionante é que, dentre todos
os monarcas que existiram, a honra de tal missão tenha recaído justamente sobre
Luis XVI, quiçá o mais orgulhoso de todos os reis.
Um representante do povo, os Sans-Culottes |
O
significado foi claro: quem salvou a França da destruição foi a gente simples,
a gente comum e não seu poderoso rei. Isso mostrou que o poder supremo vem do
povo e não do rei. Os iluministas que estavam por surgir não se esqueceriam
dessa lição em não tardou até que a Liberdade, desnuda, fértil, grandiosa, empunhando
a bandeira tricolor, conduzisse o povo á luta.
____________________________
[1] PRICE, Munro. A
queda da monarquia francesa: Luis XVI, Maria Antonieta e o barão de
Breteuil. Tradução de Julio Castañon Guimarães. Rio de Janeiro: Record, 2007.
p. 37. Título original: The fall of the
french monarchy.
[1] ROBERTS,
J. M. O Livro de ouro da História do
Mundo: Da Pré-Historia à Idade Contemporânea. Tradução de Laura Alves e
Aurélio Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 518-519. Título original: The shorter history of the world.
[3] WEIR, William. 50 Batalhas que mudaram o mundo: os conflitos que mais influenciaram o curso da
história. Tradução de Roger Maioli. São Paulo: M. Books, 2006, p. 179. Título
original: 50 Battles that changed the
World.
[4] “O Estado sou eu”, frase atribuída a
Luis XIV, personificação do absolutismo que ao contrário de seus antecessores,
recusou a figura de um chanceler, além de reduzir drasticamente a influência
dos parlamentos regionais, jamais tendo convocado os Estados Gerais.
[5] KENNEDY,
Susan. in; 1001 dias que abalaram o mundo. Edição de Peter Furtado; prefácio
de Michael Wood; tradução de Fabiano Morais, Fernanda Abreu e Pedro Jorgensen
Júnior. Rio de Janeiro: Sextante, 2009, p. 379. Título Original: 1001 days that shaped the world.
[6] Carlos
de Habsburgo, do alemão Karl von
Habsburg, Imperador Romano-Germânico de 1711 a 1740, como Carlos VI. Além
disso, rei da Hungria, como Carlos III.
[7] Eugênio
de Sabóia é reputado como um dos mais brilhantes generais de seu tempo, ao lado
de nomes como Oliver Cromwell, Malborough,
Príncipe Ruppert, Sir Thomas Fairfax,
Guilherme de Orange e de Carlos XII da Suécia. Conta-se que
Luis XIV negou autorização a Eugênio para que este ingressasse na vida
castrense. Inconformado, Eugênio abandonou Paris e se colocou a serviço dos
Hadsburgo, prometendo que só regressaria à França a frente de um exército.
[8] WEIR,
William. 50 Batalhas que mudaram o mundo:
os conflitos que mais influenciaram o curso da história. Tradução de Roger Maioli.
São Paulo: M. Books, 2006, p. 183. Título original: 50 Battles that changed the World.
[9] WEIR, William. 50 Batalhas que mudaram o mundo: os conflitos que mais influenciaram o curso da
história. Tradução de Roger Maioli. São Paulo: M. Books, 2006, p. 182. Título
original: 50 Battles that changed the
World.