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domingo, 2 de janeiro de 2011

A Batalha de Waterloo: a última jogada de Napoleão


A Centelha Moral

A fisionomia do autor, o festejado historiador Andrew Roberts é bem conhecida dos apreciadores dos programas históricos transmitidos pelo History Channel, Discovery Civilization, National Geographic, entre outros. Em seu site oficial podemos encontrar seu belíssimo currículo acadêmico, as indicações dos prêmios que recebeu, as obras que publicou, etc. Além disso há uma informação relevante para o leitor do título ora comentado, que, em tese, tornariam ainda mais vultosas as suas credencias: “He has also been elected a Fellow of the Napoleonic Institute[1].

Seu editor brasileiro, a Companhia das Letras, não faz por menos e decreta sobre Roberts: “É fellow do Instituto de Estudos Napoleônicos e faz conferências sobre Napoleão nos Estados Unidos, Canadá e na Grã-Bretanha [2].

Infelizmente não pude precisar se, por ventura, estariam se referindo à International Napoleonic Society (INS), ou outra associação dedicada à memória de Napoleão Bonaparte.

Tampouco, no decorrer da leitura, logrei encontrar muitos traços de admiração do autor em relação a Napoleão. Antes, a devoção de Andrew Roberts é dedicada ao outro grande personagem da batalha objeto de seu estudo: ninguém menos que o grande vencedor de Waterloo, Arthur Wellesley, o colossal Duque de Wellington.

O título original é Waterloo: Napoleon’s Last Gamble. Como se sabe, a escolha do título de uma obra nunca é por acaso e no caso desta obra, não seria um exagero dizer que a escolha do da expressão “last gamble” já trairia certa parcialidade deste relato de Waterloo feito por Roberts. Minha desconfiança apenas aumentou quando me depararei com a dedicatória:

“A Robin Birley, sobrinho-tetraneto de lord Castlereagh, estrategista-mor da coalizão que destruiu Napoleão.”



Sem dúvida nenhuma, trata-se de uma dedicatória mais que apropriada, mais que contextualizada com o livro. Porém, todos esses sutis indícios de favorecimento da causa inglesa (nada mais natural, porquanto Roberts é inglês), a meu sentir, são confirmados com a leitura da obra, pois o que se vê é uma ode à Wellington e a sua vitória sobre Napoleão. A leitura em si não deixa de ser prazerosa, pois, registro desde já, a parcialidade não compromete a qualidade do livro de Roberts.

Os leitores pouco familiarizados com os acontecimentos anteriores à batalha podem encontrar certa dificuldade, pois o autor se absteve de explicar pormenorizadamente todos os eventos que culminaram com a batalha decisiva. Obviamente, o autor trata do essencial, fazendo menção ao retorno de Napoleão do exílio na Ilha de Elba, o que marca o inicio do período conhecido como Os Cem Dias: a marcha triunfal do Imperador até Paris, onde é recebido aos brados de “Vive l'Empereur”; a fuga de Luis XVIII; e a mobilização para a Guerra iminente. Napoleão, que sabe dos efetivos militares de inúmeras nações que convergem para a França, decide atacar primeiro.

Apreciei especialmente as riquíssimas descrições daquele que possivelmente é o mais famoso baile de gala de todos os tempos, oferecido pela Duquesa de Richmond, na véspera do confronto. Nesse ponto específico, entendo que o autor chegou a ser contraditório em sua defesa do Duque de Ferro, pois, em que pese reconhecer que a manobra de Napoleão em separar o exército inglês das forças prussianas, para enfrentá-los separadamente, surpreendeu o Duque, Roberts defende que a presença do general e de seus oficiais no baile era imprescindível para não alarmar a população belga com a aproximação dos franceses.

Ora, o argumento torna-se claramente falacioso, se consideramos que não só os belgas, mas toda a Europa estava completamente alarmada desde que se soube que Napoleão regressara em triunfo do exílio e reconquistara a coroa sem disparar um único tiro.

Outra contribuição importante de Roberts são os relatos das duas batalhas que antecederam Waterloo: Quatre Bras e Ligny. Os erros cometidos de parte a parte são elencados e fica claro que alguns homens importantes como o Marechal Ney, reconhecido por Napoleão como “O mais bravo dos bravos” [3], cometeram erros pontuais que ao final custaram a vitória aos franceses, em que pese a vitória de Napoleão sobre Blücher em Ligny e a retirada os ingleses de Quatre Brás após o impasse sangrento que houve nessa encruzilhada estratégica.

Nesse ponto, o autor soube reconhecer a atuação marcante e decisiva de outro personagem pouco lembrado, o marechal Jean-Baptiste Drouet d’Erlon, que, mais do que qualquer outro, reuniu plenas condições escrever um final diferente em Quatre Brás, Ligny e na própria Waterloo, mas revelou-se sempre tímido e ineficaz. Ao Lado de Ney e Grouchy, d’Erlon é apontado como um dos grandes responsáveis pelo desastre no lado francês.

Em alguns trechos, para descrever uma ação de sucesso das forças aliadas no decorrer daquele longo dia, o autor exagera na utilização de determinadas expressões, por exemplo ao dizer algo como: “felizmente a infantaria britânica resistiu ao assédio francês durante todo o dia e manteve fechados os portões do Castelo de Hougoumont” [4]. O trecho acima não é nenhuma transcrição literal do livro, mas passa a idéia do discurso utilizado. Obviamente pode ser um simples problema de tradução, mas o fato é que tal nível de inclinação excede os limites aceitáveis da parcialidade e, por pouco, não comprometem o relato do ponto de vista do registro histórico.
Por outro lado, é certo que se deve respeitar a visão inglesa do indiscutível triunfo inglês em Waterloo. Ademais, desde 1815 relatos parciais e apaixonados surgem de ambos os lados do Canal da Mancha.

No caso específico de “A Batalha de Waterloo: a última jogada de Napoleão” permeia toda a narrativa a tese do autor segundo a qual Napoleão não sofreu especialmente de nenhum problema de saúde naquele dia, 18 de junho de 1815. O propósito parece claro, afinal quanto mais alto Napoleão for alçado, maior será o vulto do homem que o derrubou. Contudo as exaltações couberam todas ao Duque, de maneira que em alguns momentos o autor não foi capaz de esconder seu antagonismo em relação ao imperador dos franceses. Credito tais excessos à antiga e transcendente rivalidade que existe entre as duas nações.

O vencedor de Waterloo, o Duque de Wellington, foi seguramente um dos maiores generais de todos os tempos, mas é preciso dizer que não teria vencido em Waterloo sem a intervenção oportuna dos reforços prussianos comandados pelo velho Marechal Gebhard Leberecht von Blücher. Para Andrew Robert, entretanto, a hipótese não merece sequer ser considerada, pois, ao que assevera, Wellington jamais teria se batido naquele dia, não tivesse ele a certeza que receberia o decisivo reforço prussiano.

Partidarismos à parte, o livro de Roberts é recomendabilíssimo. As grandes cenas de Waterloo estão todas lá: a carga dos Scots Greys, o avanço da infantaria francesa, as batalhas dentro da batalha em Hougoumont e La Haye Sainte, a carga da cavalaria francesa comandada por Ney contra os bem protegidos quadrados ingleses, a investida dos Imortais da Velha Guarda Imperial, na única vez em que conheceram a derrota, bem com a força e o gênio dos grandes comandantes que finalmente se enfrentaram, enfim toda a glória e todo o horror daquele campo de batalha que reuniu dois dos maiores líderes militares da história.

Por fim, ouso indicar dois complementos indispensáveis à leitura: (i) o filme Waterloo de 1970, dirigido por Sergei Bondarchuk que é espetacular. Na trama os atores Rod Steiger e Christopher Plummer interpretam respectivamente Napoleão e Wellington; e (ii) o site A Batalha de Waterloo [5], excelente trabalho idealizado por Carlos Bastian Pinto, que esclarece na apresentação do estudo: “[...] O principal intuito é de mostrar a história da batalha de Waterloo de forma gráfica e detalhada, procurando dar uma visão inteligível e clara, especialmente para o leitor brasileiro.”

Wellington, que considerava Napoleão o maior general que o mundo já viu, defendeu que Waterloo foi uma vitória sofrida:

“algo danado de bom – a vitória mais apertada jamais vista... Por Deus, se eu não estivesse lá, não imaginaria que fosse possível.” [6].

Por seu turno, Napoleão, que jamais conseguiu ser tão magnânimo com relação ao Duque, definiu com precisão onde repousa o resultado de uma batalha que pode decidir o futuro da humanidade como Waterloo, de fato, decidiu:

“O futuro de uma batalha é o resultado de um instante, de uma ideia. Aproximamo-nos em combinações diversas, misturamo-nos, combatemos por certo tempo, e o momento decisivo se apresenta, uma centelha moral decide e uma pequena reserva concretiza.” [7].

Muitos defendem que Waterloo foi a maior de todas as batalhas. Muitos outros contra-argumentam no sentido de que em outros campos de batalha [8]. algo maior e mais representativo para o gênero humano esteve em jogo. Para alguns foi um dia glorioso, para outros uma terrível carnificina. Porém, será sempre incontroverso que o mundo nunca mais foi o mesmo depois daquele dia.

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[1] ^ Disponível em http://www.andrew-roberts.net/about_andrew.asp, acesso em 01/11/2010, às 23h47min.

[2] ^ Excerto extraído da “orelha” em: ROBERTS. Andrew. A Batalha de Waterloo: a última jogada de Napoleão. Tradução de Laura Alves e André Barroso Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

[3] ^ Em Waterloo, Ney teve cinco cavalos mortos enquanto os montava em combate e lutou com extrema bravura. Todavia, conforme anotado pelo próprio Andrew Roberts, naquele dia ficou provado que não é apenas a coragem que define o resultado de uma batalha.

[4] ^ As tropas inglesas defenderam bravamente o Castelo de Hougoumont do assédio francês em uma batalha dentro da batalha que durou toda a tarde e exauriu os franceses. O ponto alto da heróica defesa é o fechamento dos portões pelos ingleses, após uma investida da 1ª Brigada de Infantaria Ligeira que conseguira penetrar o Castelo.


[6] ^ ROBERTS. Andrew. A Batalha de Waterloo: a última jogada de Napoleão. Tradução de Laura Alves e André Barroso Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 116.

[7] ^ Napoleão Bonaparte BONAPARTE, Napoleão. in: BERTAUT, Jules (Org.): Napoleão Bonaparte: Manual do líder. Tradução de Júlia da Rosa Simões. Porto Alegre: LP&M, 2010, p. 107. Título original: Manuel du chef: Aphorismes chosis et préfacés par Jules Bertaut.

[8] ^ Para o autor William Weir, por exemplo, a Batalha de Maratona de 490 a.C., entre outras, mereceu maior destaque, por certo que a vitória Grega contra os Persas, garantiu a sobrevivência da primeira experiência de governo democrático da história, permitindo que a Democracia chegasse até os dias atuais. Ver: WEIR, William. As 50 Batalhas De Mudaram o Mundo: Os Conflitos Que Mais Influenciaram o Curso da História. Tradução de Roger Maioli. 3. ed. São Paulo: M. Books, 2006.