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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

1822: carta ao autor

 

Prezado Laurentino Gomes,

Espero que possa perdoar minha ousadia em me dirigir a você para comentar minha leitura do seu último livro.

Trata-se, claro, do 1822. No qual você se digna a relatar “como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado.”

Antes de mais nada, aceite minhas sinceras e merecidas congratulações pela sua obra. Não falo, é evidente, apenas do 1822, pois acredito que o projeto que começou com a publicação do 1808 é um só, de forma que os elogios devem se estender ao livro anterior. Aliás, voltarei a tratar do 1808, por certo que a comparação entre os livros me parece inevitável.

Você acertou em cheio, Laurentino, meu caro! Esse país precisava de um estímulo desses para que, quem sabe no futuro, nosso povo tenha mais consciência do processo de formação de nossa cultura e pare, de uma vez por todas, de se comportar como se o Brasil tivesse sido inventado em 1958, com a vitória na Copa da Suécia.

Inclusive, a nossa falta de apego às nossas raízes foi oportunamente lembrada na dedicatória do 1822. Dedicatória brilhante, registre-se! Até gostaria bastante ter sido um professor de História, mas escolhi ser advogado. Um advogado que se define como um historiador diletante. Sou um apaixonado pela História, que padece o grande mal de viver em um “país sem memória”, se me permite a utilização da expressão. A dedicatória, portanto, não poderia ser mais acertada. Lembrei-me de um professor de história que tive, que além de muito carismático, era dono de uma voz potente que se alastrava por todos os cantos da classe e nos obrigava a prestar atenção nele, mesmo se não quiséssemos. Era inútil resistir às suas exposições sobre o mundo romano, as invasões bárbaras, o cristianismo ocidental, a idade média, a renascença, o mercantilismo até chegar às grandes navegações. Porém, a potência vocal não era o que verdadeiramente distinguia esse saudoso mestre, nada disso. O vultoso interesse que suas lições despertava irrompia, isto sim, da paixão com que ele tratava o tema e de sua abordagem sempre entusiástica e vibrante, que era capaz de nos fazer olhar pela janela por um instante e imaginar uma horda de hunos, liderados pelo invencível Átila, tomando a escola de assalto e espalhando o terror com suas flechas certeiras. Meu antigo professor de História, de quem nunca mais tive notícias, é um dos que mereceram a sua honesta homenagem, Laurentino.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

De vestes talares e judicioso talante




"Às vezes aspiro fundo e encho os pulmões de um ar insuportável, para ter alguns segundos de conforto, expelindo a dor. Mas bem antes da doença e da velhice, talvez minha vida já fosse um pouco assim, uma dorzinha chata a me espetar o tempo todo, e de repente uma lambada atroz. Quando perdi minha mulher, foi atroz. E qualquer coisa que eu recorde agora, vai doer, a memória é uma vasta ferida."
Chico Buarque


A vida impõe tantas difíceis escolhas, são tantas as bifurcações que surgem ao caminho que às vezes parece impossível discernir para qualquer um que não possa contar com os favores de uma pitonisa.

Camisa azul ou verde? Gravata escura, terno claro? Antes do divórcio Justino sequer imaginava que cotidiano possuísse tantas amenidades, tantas especificidades e tão tortuosas escolhas. Afinal, a Dagmar sempre esteve lá para se ocupar dessas coisas pequenas. Houve um tempo que juraram um ao outro que ficariam sempre juntos, mas, depois, Justino optou pelo trabalho ao qual se dedicou com todo afinco, desprezando o melhor que podia a família, perdendo os melhores anos e deixando a pobre da Dagmar sozinha a educar os filhos e administrar a casa. Claro que ela se saiu bem, sobretudo com as crianças, mas agora que os pequenos cresceram e a Dagmar havia decido ir embora só havia restado o trabalho a Justino. Santa ironia, pois justo agora, quando ele tinha todo o tempo do mundo para o trabalho, o labor diário passou a lhe soar penoso.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A Morte de Napoleão


A edição Brasileira

Mil vezes sutil

O ano do senhor de 2011 já avança a passos de carga rumo ao seu ocaso, mas a delicada e elegante edição de 1993, da Companhia das Letras, de A Morte de Napoleão ainda está disponível para venda nas principais livrarias. Não se trata de livro de bolso, a edição é refinada, em que pese o formato reduzido. Em verdade, chega a ter menores proporções que os pocket’s disponíveis atualmente no mercado editorial: os 11 x 15 cm deste romance de Simon Leys, por exemplo, parecem ainda menores se comparados com os 12 X 18 cm das edições da Best Bolso. O mesmo se observa em relação aos já clássicos 11,5 x 18 cm dos livros de bolso da Martin Claret e da Companhia de Bolso.

Por outro lado, ao perceber o valor mercadológico médio do livro, o leitor familiarizado com os preços atualmente praticados sente que está diante de uma obra fora de série, por certo que, atualmente, pelo preço que se paga por um exemplar da obra ora comentada, é possível adquirir 2 ou 3, a depender do título, dentre os livros de bolso de qualquer uma das editoras acima citadas.

Se, como outro dia mesmo ouvi dizer, ainda há quem compre livros pela capa ou apenas para compor a decoração do escritório, imagino que A Morte de Napoleão tenha largado em desvantagem, pois, como sói ocorrer em relação a todas as manifestações da delicadeza, é preciso ser dotado sutileza e espírito para apreciar a sua composição de aparente debilidade.

domingo, 8 de maio de 2011

O Filósofo e o Imperador

Capas das edições latinas: Brasil, Portugal e Espanha
A Justa Medida

O velho adágio dispensa explicações: “A cavalo dado não se olha os dentes”. Respeito bastante esta sentença popular, até porque é um dos ditados que me lembro de ouvir desde que era criança. Contudo, quando se ganha um livro não é bem assim. Antes, assim que o embrulho é aberto, quem recebeu o presente observa a capa, confere o título, sorri, faz passar as folhas rapidamente, como a conferir se estão todas ali e, quase sempre, diz algo do gênero de “ora, é maravilhoso, mas realmente não precisava se incomodar”. Sem mais delongas, considero um livro o melhor presente, sempre. Seja quando se oferece, seja quando se recebe, não há nada como um livro, um presente em si mesmo.

Quando ganhei “O Filósofo e o Imperador” da lavra escritora canadense Annabel Lyon eu não o conhecia. De pronto, a belíssima capa da edição brasileira da editora Leya me despertou a atenção: fundo negro destacando a silhueta de um grande corcel, também negro, recebendo no focinho o afago de um braço direito alongado. A lombada rosa shock cria um contraste explosivo, resultando em um conjunto, por assim dizer, contemporâneo. Uma rápida passada de olhos pelo subtítulo: “Um romance sobre Aristóteles e Alexandre”. “Que grande dupla” eu pensei. Normalmente o tema teria bastado para despertar o meu interesse: “Muito bem, este vai para a fila.” Estava decidido.

Antes de avançar é preciso dizer que minha relação com meus livros começa bem antes da leitura propriamente dita. Por mais que eu seja adepto da prática de ler vários ao mesmo tempo, não é possível ler todos. Assim, como uma espécie de bibliotecário amador dos meus próprios volumes, eu os seleciono em uma ordem de leitura semi-rígida, que segue um instinto natural. Alguns para serem lidos outros relidos. Naturalmente, a ordem não pode controlar interesses despertados inopinadamente e quase sempre há um ou outro título a furar a fila.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Alexándros

Versão grega do romance de Manfredi

Comparisons Are Odious

Comparações são realmente odiosas e não foi outro senão o próprio Bernard Cornwell que, certa feita, me disse isso. Contudo, ao terminar a leitura do primeiro volume da trilogia “Alexándros” de Valerio Massimo Manfredi, intitulado “O sonho de Olympias”, não pela última vez, tive a sensação de que Bernard Cornwell teria escrito aquele livro de forma muito parecida. Ou seja, o estilo de Valerio Massimo Manfredi me fez lembrar os escritos de Cornwell. Claro que Manfredi possui seu próprio estilo, excelente por sinal, porém a forma com que este italiano demonstra se preocupar com o aspecto historiográfico, fazendo questão de registrar as alterações a que foi obrigado em sua adaptação, lembra bastante o que o seu colega inglês faz em seus romances históricos.

Antes de avançar, devo explicar que não há nenhum equívoco no que disse no primeiro parágrafo: sim, aquilo é a mais absoluta verdade. Bernard Cornwell, dentre outras coisas, de fato, me disse : “[...] comparisons are odious!” Na ocasião, eu havia perguntado ao autor, por meio de um campo próprio em seu website oficial, quem era o melhor dentre três dos seus heróis mais famosos e o autor de “Crônicas de Arthur”, com a grande gentileza e simpatia que reconhecidamente lhe são peculiares, não me deixou sem reposta, fazendo constar que eles, os heróis, eram equivalentes: “Oh, they’re equals”.

domingo, 16 de janeiro de 2011

O Adeus de Fontainebleau

Que Ce Dernier Baiser Passe Dans Vos Coeurs!


No dia 20 de abril de 1814, em um dos momentos mais dramáticos e arrebatadores de sua epopéia, o Imperador Napoleão I, acompanhado de alguns poucos oficiais, desceu as escadarias em forma de ferradura do Palácio de Fontainebleau, que dão acesso ao Pátio do Cavalo Branco, para se despedir de sua Velha Guarda. Oficialmente, naquele momento, ele já deixara de ser o imperador dos franceses. Ele, pois, havia abdicado. Terminara o seu sonho de uma Europa Unificada sob o domínio francês.

Dois anos antes, aqueles bravos homens haviam marchado sob o seu comando através das estepes russas até Moscou. Durante toda a campanha eles não conheceram derrota em uma batalha sequer. O Czar, porém, abandonou a cidade e os poucos habitantes que restaram preferiram entregar sua capital às chamas a entregá-la aos franceses. E, assim, na noite em que Napoleão dormiu no Kremlin, Moscou ardeu. A retirada foi desastrosa. O “General Inverno” mostrou mais uma vez porque o solo da sagrada Mãe Rússia jamais foi conquistado pelo inimigo estrangeiro. O frio extremo, para o qual não estavam preparados, a fome que grassava entre as tropas e as investidas dos terríveis cavaleiros Cossacos ceifaram a vida de aproximadamente 570 mil homens (NICOLSON, 1987, p. 242). Com isso, La Grande Armeé, o Grande Exército de Napoleão foi desbaratado. Estima-se que a fina-flor da juventude francesa pereceu sob camadas de neve e trespassada pelas lanças dos Cossacos.

domingo, 2 de janeiro de 2011

A Batalha de Waterloo: a última jogada de Napoleão


A Centelha Moral

A fisionomia do autor, o festejado historiador Andrew Roberts é bem conhecida dos apreciadores dos programas históricos transmitidos pelo History Channel, Discovery Civilization, National Geographic, entre outros. Em seu site oficial podemos encontrar seu belíssimo currículo acadêmico, as indicações dos prêmios que recebeu, as obras que publicou, etc. Além disso há uma informação relevante para o leitor do título ora comentado, que, em tese, tornariam ainda mais vultosas as suas credencias: “He has also been elected a Fellow of the Napoleonic Institute[1].

Seu editor brasileiro, a Companhia das Letras, não faz por menos e decreta sobre Roberts: “É fellow do Instituto de Estudos Napoleônicos e faz conferências sobre Napoleão nos Estados Unidos, Canadá e na Grã-Bretanha [2].

Infelizmente não pude precisar se, por ventura, estariam se referindo à International Napoleonic Society (INS), ou outra associação dedicada à memória de Napoleão Bonaparte.

Tampouco, no decorrer da leitura, logrei encontrar muitos traços de admiração do autor em relação a Napoleão. Antes, a devoção de Andrew Roberts é dedicada ao outro grande personagem da batalha objeto de seu estudo: ninguém menos que o grande vencedor de Waterloo, Arthur Wellesley, o colossal Duque de Wellington.

O título original é Waterloo: Napoleon’s Last Gamble. Como se sabe, a escolha do título de uma obra nunca é por acaso e no caso desta obra, não seria um exagero dizer que a escolha do da expressão “last gamble” já trairia certa parcialidade deste relato de Waterloo feito por Roberts. Minha desconfiança apenas aumentou quando me depararei com a dedicatória:

“A Robin Birley, sobrinho-tetraneto de lord Castlereagh, estrategista-mor da coalizão que destruiu Napoleão.”