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domingo, 30 de dezembro de 2012

O Sangue do Ombro de Pallas





Por Daniel Dreiberg

O Texto a seguir é reimpressão do Jornal da Sociedade Ornitológica Americana, outono de 1983.
 
 
Será possível estudar um pássaro tão de perto, observar e catalogar suas peculiaridades em detalhes tão minuciosos, que o mesmo se torna invisível? Será possível que, enquanto medimos fastidiosamente a envergadura de suas asas ou o comprimento de seu tarso, acabamos perdendo a visão de sua poesia?

Será possível que, em nossas prosaicas descrições de plumagens marmóreas ou vermiculadas, perdemos a visão de pinturas vivas, uma sucessão de tons de marrom e dourado que envergonharia Kandinsky ou explosões de luz e cor à altura de Monet? Eu creio que sim. Acredito que, ao estudarmos nosso objeto com a sensibilidade de um estatístico ou de um dissector, nós nos distanciamos cada vez mais das maravilhas e encantamentos da imaginação.

sábado, 1 de setembro de 2012

A Patrulha da Noite


Em suas Crônicas de Gelo e Fogo, o autor norte-americano George R. R. Martin concebeu A Patrulha da Noite, no original Night's Watch, como uma Ordem militar responsável pela segurança dos Sete Reinos de Westeros.

Em muitos momentos durante a leitura dos livros da saga, a comparação com os Cavaleiros Templários é quase inevitável. Afinal, assim como os integrantes da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão (do latim Ordo Pauperum Commilitonum Christi Templique Salominici), os Patrulheiros da Noite são celibatários e não possuem bens.

Ouso dizer que a associação aos Templários só é amortecida quando, bem mais adiante, o leitor trava conhecimento com as ordens monásticas militares dos Filhos do Guerreiro e dos Pobres Irmãos que, por motivos óbvios, se parecem ainda mais com os Templários. Os Filhos do Guerreiro são cavaleiros que renunciam toda riqueza e aos prazeres da carne para juramentar suas espadas à Fé. Eles usavam mantos arco-íris e armadura embutida de prata por cima de cilícios, e trazem cristais em forma de estrela nos botões do punho das espadas. Por seu turno, Os Pobres Irmãos formam uma irmandade mendicante cujos membros trazem consigo machados de guerra e passam o tempo a correr pelas estradas, escoltando viajantes de septo em septo. O seu símbolo é a estrela de sete pontas, vermelha sobre branco. O povo simples chama aqueles de Espadas e estes de Estrelas.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Keep Calm and Carry On



Não sei bem se nos últimos meses ou semanas, o antigo cartaz motivacional produzido pelo governo britânico em 1939 se espalhou de tal forma pela internet que muitas pessoas, que, alias,já viram quase todas as múltiplas versões produzidas por milhares, quiçá milhões, de internautas, não sabem como tudo começou.

Antes de virar meme, antes de viralizar, a mensagem Keep Calm and Carry On fez parte de uma série de cartazes que o Ministério da Informação, antecipando os dias difíceis que viriam pela frente, concebeu logo no início do conflito que viria a ser conhecido como a Segunda Guerra Mundial.

Assim, em 1939, visando aplacar as fortes tensões sociais de um território que, em pouco tempo, se tornaria um dos principais alvos dos bombardeios alemães, as mensagens foram criadas e começaram a ser difundidas para elevar o moral da população inglesa.

Inicialmente eram três cartazes, em verdade bastante simples, todos com a mesma tipologia, uma fonte facilmente reconhecível e ao mesmo tempo difícil de ser copiada pelo inimigo, confeccionados em apenas duas cores e ostentando uma frase de impacto, que tem como pedra angular a coroa britânica, do então Rei George VI.

domingo, 17 de junho de 2012

Febre de Bola de Nick Hornby



O Turbilhão Nervoso

Em Febre de bola encontramos divertidas partículas da experiência universal do futebol. O jogo que domina as mentes de milhões de seguidores e fãs pelo mundo. O esporte que, em larga medida, ignora as fronteiras naturais e, sobretudo, as fronteiras erigidas pelo homem. Em todos os continentes as crianças correm atrás da bola e lançam suas bobinadas certeiras enquanto gritam os nomes de seus heróis. A magia, o espetáculo, a paixão do futebol. Tantos são os adjetivos e as fórmulas utilizadas na tentativa de explicar o sentimento “sem nome” do futebol. Porém – máxima ironia – o senhor Nick Hornby, a seu modo, resolveu explicar isso tudo escrevendo um livro sobre ele mesmo.

Exatamente, conforme um grande amigo afirmou, Febre de Bola não é um livro sobre o futebol. Fever Pitch é o título original desse livro em que o autor relata momentos de sua vida entre 1968 e 1992, tendo como pano de fundo o futebol. Na verdade, posso dizer que vai um pouco além disso: o futebol para Hornby é muito mais do que um simples cenário, o futebol é a sua obsessão.

O autor tinha 13 anos de idade quando o mundo da bola se desvelou diante de seus olhos. A separação dos pais, justo naquela época, e as complicações próprias da aurora da adolescência são os ingredientes que transformaram a alma do autor em um campo fértil para o florescimento de uma paixão avassaladora, uma fuga, uma obsessão: o futebol.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

As origens da queda do absolutismo


Não raras fontes históricas defendem que a monarquia francesa encontrou seu fim ao pé do cadafalso e, segundo essas mesmas fontes, a expressão máxima de sua derrocada teria ocorrido em 21 de janeiro de 1793, quando o povo francês decapitou seu Rei, o monarca Luis XVI. Munro Price [1] lembra que antes desse evento dramático, a monarquia era uma estrutura grandiosa, malgrado todas as suas rachaduras, e o rei que, por fim, ficou uma cabeça menor governava por Direito Divino, sendo responsável por suas ações apenas diante de Deus.

Antes de prosseguir, é bom que se diga que cortar a cabeça de um rei não era novidade na Europa, pois em 1649, a Câmara dos Comuns criou uma corte (Tribunal de Exceção? Sim, claro) para promover o julgamento de Carlos I. Assim, no dia 29 de janeiro daquele mesmo Ano do Senhor de 1649, Carlos I foi condenado à morte por decapitação e – celeridade a toda prova –, decapitado já no dia seguinte, do lado de fora da Banqueting House.

Ao matar um rei, portanto, não significa acabar com a monarquia. Mesmo porque, na França, ao contrário do que ocorrera antes da Inglaterra, houve a Revolução. Segundo M. J. Roberts [2], a Revolução Francesa compreende conjunto de eventos ocorridos entre 5 de maio de 1789, com a convocação dos Estados Gerais e a famosa Queda da Bastilha e 9 de novembro de 1799, com o 18 de Brumário de Napoleão Bonaparte.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Os Nove da Fama



Os Nove da Fama são os nove príncipes legendários que personificam os ideais da cavalaria, quiçá a maior de todas as instituições humanas da Idade Média. No idioma de Denis Diderot, eles são chamados de Les Neuf Preux, que em tradução livre (e não menos literal) poderia soar como “os nove valentes”,  termo que passa uma ideia mais precisa do tipo de virtude moral que foi considerada para a escolha daqueles soldados que passariam a ser sinônimo dos elevados ideais cavaleirescos. Na Itália eles são conhecidos como Nove Prodi. Em inglês o termo utilizado para designá-los é Nine Worthies.

Os escolhidos compõem três grupos triádicos orientados pelas religiões que professaram: três gentios (Heitor, Alexandre e Júlio César); três judeus (Josué, Davi e Judas Macabeu); e três cristãos (o Rei Arthur, Carlos Magno e Godofredo de Bouillon).

Esses grandes cavaleiros representam todas as facetas do guerreiro perfeito. Com exceção de Heitor e Arthur, todos são heróis conquistadores. Aqueles que não eram príncipes vieram de famílias da aristocracia. No universo da cavalaria seus predicados e suas virtudes são reconhecidas por sua atemporalidade e universalidade. Todos trouxeram glória e honra para suas nações, e foram conhecidos por sua habilidade pessoal nas armas. Individualmente, cada um exibia alguma qualidade excepcional que os tornou o modelo de cavaleiro.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Até quando, Catilina?




Marcus Tullius Cicero nasceu em Arpino, por volta de 106 a.C. Passou à História como uma das mentes mais atiladas da antiga Roma. Sua versatilidade fez com que seja ainda hoje reconhecido como grande advogado, orador sublime, político, magistrado, filósofo, linguista e tradutor.

Ana Teresa Marques Gonçalves [1], que elaborou estudo da obra De Legibus de Cícero [2] afirma a família do grande orador pertencia à ordem equestre, de maneira que, para ascender à ordem senatorial, Cícero foi submetido a uma cuidadosa e criteriosa educação.  Sabe-se que Cícero foi Questor na Sicília em 76 a. C. e Edil Curul em 70 a. C. No ápice de sua carreira política, Cícero foi Cônsul da República, mas foi degredado em 58 a.C.

Júlio César concedeu a anistia a Cícero que voltou a Roma. Sendo, inclusive, durante  a Ditadura de César que ele produziu várias de suas obras. Contudo, no período conturbado que se seguiu desde a morte de César até a ascensão de Otávio Augusto ao trono, o autor de De re publica foi morto a mando e a soldo de Marco Antônio, que em um gesto ao mesmo tempo bárbaro e simbólico mandou pregar as mãos que haviam escrito às novas Filipicas [3], juntamente com a cabeça, na rostra no Fórum Romano, o habitat natural de Cícero, local onde provavelmente proferiu as Catilinárias, as célebres orações acusatórias contra Catilina que ainda hoje ecoam mundo a fora.

domingo, 15 de abril de 2012

Napoleão: Máximas e Pensamentos, de Honoré de Balzac



O Moderno Prometeu

A primeira edição de “Napoleão: Máximas e Pensamentos” não apontava Honoré de Balzac como autor do prefácio e organizador, pois o célebre autor de “Le Lys dans la vallée”, precisando saldar alguns compromissos com seus credores, vendeu o livro a um certo J. L. Gaudy Jeune pela importância de 4 mil francos.

É, de fato, bastante curioso pensar em um dos maiores escritores de todos os tempos como uma espécie de ghost writer do século XIX. O equivalente moderno do “melhoro sua monografia” ou algo do gênero. A história, porém, aconteceu realmente. Balzac trabalhou árdua e incessantemente durante toda a vida para dar à luz sua vastíssima obra, era, para utilizar um termo em voga, um workaholic inveterado, movido a grandes doses de café forte, mas sempre passou por dificuldades financeiras. Quando ele nasceu, em 1799, Napoleão acabava de regressar do Egito para, após o 18 de Brumário, se tornar Cônsul da República Francesa ao lado de Ducos e Sieyès. O autor de “Ilusões Perdidas”, portanto, cresceu sob a influência do Fazedor de Reis. Como se sabe, nem mesmo a derrota sofrida em 1815 e o consequente exílio em Santa Helena, onde o Imperador morreu em 1821, tiveram o condão de enfraquecer o mito napoleônico. Muito pelo contrário, pois foi justamente durante a Restauração que a já legendária figura do Artilheiro de Toulon ascendeu ao quase sagrado.

sexta-feira, 30 de março de 2012

O Leitor, de Bernhard Schlink


O majestosamente belo e o tetricamente trágico

O belo e o trágico andam lado a lado no livro do professor Bernhard Schlink, muito embora, é evidente, não se trate da beleza majestosa referida no título deste comentário. Antes, o livro contém uma beleza pálida, uma espécie de altivez insípida, como se tudo o que pudesse ser reconhecido como belo nesta estória estivesse a tal ponto subjugado pelas forças incoercíveis da tragédia humana que só pode ser lembrado envolto pelo manto desbotado que sói cobrir as piores lembranças da Segunda Guerra Mundial.

Nada obstante, essa beleza esmaecida bem existe. Há a beleza opaca da força que impele a sociedade rumo ao progresso, na tentativa de se reerguer dos escombros da guerra que, pela segunda vez em menos de 30 anos, devastou a Europa. Nesse cenário, Michael Berg, o jovem protagonista de 15 nos, vive com os pais em um (imagino) subúrbio da capital alemã e se prepara para voltar à escola depois de ter ficado afastado das aulas para se tratar de uma hepatite que contraiu.

domingo, 11 de março de 2012

Alea Jacta Est



Júlio César é um personagem que jamais poderá se despir por inteiro de sua larga máscara romântica. Seus renomados biógrafos Suetônio e Plutarco legaram ao mundo a fortíssima e indeteriorável imagem do Gaius Julius Caesar heróico, impiedoso, senhor da Gália e flagelo da república romana. O jovem que esteve do lado vencido de uma guerra civil e que, portanto, foi afastado do centro do poder, sendo, em seguida, sido feito cativo por corsários que exigiram 30 talentos de ouro pelo seu resgate. O jovem herói, entretanto, exigiu que o resgate não fosse menor que 50 talentos [1], afirmando que melhor que fosse assim, pois após ser libertado ele retornaria e crucificaria seus captores. Dito e feito: posto em liberdade, o jovem, não pela última vez, fez valer a palavra empenhada e ergueu diversas cruzes com piratas imolados em uma praia qualquer do Mediterrâneo.

Um início de carreira com muitos complicados entraves, que somados, talvez não permitissem aos seus contemporâneos antever o general e estadista brilhante que César se tornaria, anos mais tarde. Em 8 anos ele domou as tribos bárbaras e conquistou a Gália, submetendo Vercingentórix, o Rei de todos os gauleses, que foi conduzido e sacrificado diante das multidões romanas que aplaudiram César em seu grande Triunfo.


quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

The Motherland Calls


Espaço, tempo e os elementos drenaram a força e a vitalidade do agressor. Ao invadir a Rússia, a Alemanha penetrou num clima diferente, e seus exércitos precisaram lidar com mudanças de estação repentinas e violentas. A estratégia alemã da guerra-relâmpago era inadequada para operações continuadas, e os rigores do inverno de 1941 surpreenderam o profeta da Nova Ordem. Quando chegou o frio, este matou mais soldados alemães do que as balas e baionetas russas. No entanto, seria equívoco presumir que o xeque-mate sofrido por Hitler, superando em muito as perdas de Napoleão de Moscou, deveu-se apenas a uma mudança do clima. Foram os sacrifícios dos russos que conseguiram isso – o que não muda a conclusão de que seis semanas de tempo clemente poderiam ter feito diferença para o maior ataque militar de todos os tempos. Mas o general inverno, o eterno aliado da Santa Mãe Rússia, não permitiu. (Erik Durschimied. Como a natureza mudou a História. Rio de Janeiro. Ediouro: 2004, p. 226-227.)
A historiografia relata que o solo sagrado da Mãe Rússia jamais foi expugnado pelo inimigo estrangeiro. Carlos XII da Suécia marchou sobre a Rússia no bojo da Grande Guerra do Norte em 1707. O rei sueco conquistou importantes vitórias, porém, seu exército encontrou a aniquilação em Poltava, marcando, assim, o fim da trajetória da Suécia como uma grande nação européia. Napoleão, por seu turno, chegou a tomar Moscou e passar uma noite no próprio Kremilin, porém, a desastrosa retirada sob o látego impiedoso do General Inverno solapou as bases do Primeiro Império Francês, uma vez que a fina flor da soldadesca francesa pereceu sob toneladas de gelo. O último a tentar foi Hittler. O último a fracassar também. Erik Durschmied, em seu revelador Como a Natureza Mudou a História, cujo breve excerto transcrevemos acima à guisa de epígrafe da presente exposição, relata como os temidos Panzers congelaram e afundaram na lama, perecendo sob a pesada mão do General Inverno, o mesmo que um século e meio antes havia subjugado o Vencedor de Austerlitz.

Nada obstante, hoje em dia muito se fala da decisiva Vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, do Dia D, quando a maior armada que o mundo já vira tomou as desoladas areias de Omaha Beach. Para os russos, porém, a Segunda Guerra não foi uma vitória do bem contra o mal nazi-fascista. Antes, para os russos, não houve uma simples vitória dos aliados sobre os alemães. Para esses renitentes cossacos, o que houve foi uma vitória do povo russo. Todos na Rússia, do mais jovem e ignaro estudante até o mais encanecido ancião, sabem que a Segunda Guerra é a grande vitória russa.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ecos do Front



E as pessoas não nos compreenderão, pois, antes da nossa, cresceu uma geração que, sem dúvida, passou estes anos aqui junto a nós, mas que já tinha um lar e uma profissão, e que agora voltará para suas antigas colocações e esquecerá a guerra... e, depois de nós, crescerá uma geração, semelhante à que fomos em outros tempos, que nos será estranha e nos deixará de lado. Seremos inúteis para nós mesmos. Envelheceremos, alguns se adaptarão, outros simplesmente resignar-se-ão e a maioria ficará desorientada; os anos passarão e, por fim, pereceremos todos. (Erich M. Remarque. Nada de Novo no Front. São Paulo. Abril: 1981, p. 230-231.)


Quem o vê agora, esquecido de todos e de tudo à sua volta, corpo alquebrado pelo acúmulo de dias, carcomido pelas escaras, não diria estar diante de um combatente. Distinções de bravura foram muitas. O batismo de fogo foi na Itália, em Monte Castelo, onde ele e seus camaradas, para o bem da humanidade e da democracia, colocaram os chucrutes para correr. Muitos dos camaradas que o acompanharam nessa jornada épica não voltaram para suas famílias e para seus negócios no Brasil. Todos os que regressaram, porém, na medida do possível, tiveram cá suas honrarias: um simples lenitivo, uma vez que o tributo de sangue não é o único exigido dos heróis das grandes epopéias. Os mortos do campo de batalha e o horror da guerra cobram o preço definitivo da lembrança, marca indelével que distingue os que foram testemunha da demonstração cabal da intolerância. A guerra não é senão a máxima expressão da maior de todas as misérias humanas.

Voltou outro do front, os seus logo notaram a mudança: o olhar perdido sempre a fitar o vazio, a confusão do pensamento, os pesadelos que jamais o deixaram em paz. Agora suas forças o abandonaram e nada representa, relegado aos maus tratos de enfermeiras ineptas, financiadas com o minguado soldo que ainda recebe. A doença grassou de pouco em pouco, como num cerco, conquistando pequenas vantagens dias após dia, mas, enquanto pôde, ele ostentou uma independência orgulhosa, posto que falsa. Antes do fim, viu-se que tudo não passava de vã ilusão. Agora havia um primo distante que administrava o curto estipêndio, não oferecia nenhum suporte emocional, mas pelo menos garantia que um teto lhe cobriria a cabeça nos últimos dias que inexoravelmente se aproximavam.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Guarda Morre...


mas não se rende

Era Precisamente 1h30min.
De repente, numa extensão de mais de quarto de légua, pareceu a terra entreabrir-se e vomitar o inferno. Grande frêmito inclino o centeio, fez tremer o solo e todos os seres vivos sentiram na medula a palpitação que produz o estrondo do raio. Foi o fragor percebido a cinquenta léguas de distância.
A um sinal do Príncipe de Moskova [Ney], começou a grande bateria a castigar a posição inglesa.
Marcel Dupont.

O livro de Marcel Dupont é um belíssimo relato de uma das mais famosas batalhas de todos os tempos, que se lê como um romance, mas, sem a menor dúvida, trata-se de um livro para iniciados. Estão, pois, sujeitos a ficarem relativamente perdidos em meios aos muitos nomes de pessoas e lugares que o autor declina a todo momento, aqueles leitores que, porventura, ignorem o panorama histórico do período conhecido como Os Cem Dias – lapso temporal que compreende os eventos desde a volta triunfal de Napoleão da Ilha de Elba, passando pela fuga de Luis XVIII, a nova aclamação do Imperador,  o advento da novel coalizão, a decisão de Napoleão de fazer o primeiro movimento de ataque na guerra inexorável, até a segunda abdicação, ocorrida após a vitória dos aliados em Waterloo.

Assim, para uma compreensão completa da narrativa, é recomendável, sobretudo, que o leitor esteja a par dos eventos ocorridos nos dias anteriores à Batalha de Waterloo, pois o autor se abstém em pormenorizar as duas importantíssimas batalhas havidas na véspera da grande hecatombe do Monte Saint-Jean: as Batalhas de Ligny e Quatre-Brás, que tiveram seriíssima repercussão em tudo o que fatalmente ocorreu no dia seguinte nas proximidades do lugarejo cujo nome até então era obscuro, mas que, após o ocorrido, ganhou eterna notoriedade, Waterloo.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O Forte, de Bernard Cornwell


Novas de Majabigwaduce

A História é uma musa caprichosa e a fama é sua filha injusta.
Bernard Cornwell

Acabo de regressar de Castine que fica dentro do Condado de Hancock no glorioso estado do Maine, por sua vez localizado na região da Nova Inglaterra, no extremo nordeste dos Estados Unidos. O passeio foi curto, mas muito interessante: notei que um desavisado qualquer, subindo pela Wadsworth Cove Road, a partir da Angra de Wadsworth (Wadsworth Cove),poderia ignorar que ao passar pelas duas curvas fechadas, primeiro à esquerda,depois à direita, na verdade estaria contornando a face oeste do Forte George e, assim, se aproximando mais da fortificação do que os rebeldes jamais puderam fazer em 1799.

Seguindo pela Wadsworth Cove Road, deixando para trás o forte que há mais de 200 anos foi extraído da terra daquelas plagas pelo valoroso General McLean e batizado em homenagem a um monarca louco, virei à direita passando rapidamente pela perpendicular Battle Av. e novamente à esquerda para desembocar na Pleasant Street e seguir em direção à CastineHarbor singrando um dos orgulhos da região, a Maine Maritime Academy. À direita deparei-me com o Ritchie Field, o campo de football da academia e lembrei-me que, hoje em dia, olhando-se a região de cima, é muito mais fácil e natural localizar esse campo do que o velho forte, que só aparece após um meticuloso esquadrinhamento.

Por apego à precisão é preciso confessar que sequer levantei da cadeira. Hoje em dia serviços do Google como o Street View, Maps e o Earth possibilitam a qualquer um com acesso à internet semelhante experiência, que não deixa de ser assombrosa e fascinante. Contudo, este escrito é para relatar outra viagem: a real, a aventura na Baia de Penobscot, quando Castine ainda era conhecida pelo singelo nome de Majabigwaduce (Bagaduce, para os íntimos), quando ainda não havia o estado do Maine e toda aquela região pertencia a Massachusetts. Essa viagem foi-me proporcionada lendo as quase quinhentas páginas na edição brasileira de O Forte, de Bernard Cornwell. Sim, foi sem dúvida a aventura literária que inspirou a aludida exploração virtual daquelas paragens da Nova Inglaterra e muitas outras pesquisas.